terça-feira, 22 de julho de 2008

Manicômio Judiciário

EDITORIAL

Brasil de Fato

Edição 281

15.07.2008


Engana-se quem possa imaginar que a expressão desrespeitosa que usamos no título deste editorial, tenha sido forjado por nosso jornal. Pelo contrário, zelamos pela nossa Constituição, apesar de todas as suas limitações. A expressão – referindo-se ao sistema judiciário brasileiro – foi forjada pelo meretíssimo senhor juiz doutor Gilmar Mendes, em 2001, quando advogado-geral da União. Caso coubesse ao nosso Judiciário (em que pesem seus grandes vícios e mazelas) tal grosseira classificação, certamente o doutor Gilmar Mendes seria conhecido como o comandante mor dos loucos (portadores de deficiência e/ou distúrbio mental) desta República, pois hoje ocupa o mais alto cargo dessa instituição, a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).

E foi nessa condição que, na semana passada, em menos de 48 horas, doutor Gilmar Mendes concedeu dois habeas corpus sucessivos ao senhor Daniel Dantas (dono do Opportunity, da revista “Isto é” e de outros escusos negócios). O senhor Dantas (e outros, entre os quais os senhores Nagi Nahas e Celso Pitta) é acusado de todo tipo de falcatruas e bandidagem, de acordo com relatório da Polícia Federal (PF), resultante de investigações durante cerca de quatro anos, comandadas pelo delegado Protógenes Queiroz – hoje afastado do caso. (Ler página ao lado)

Qualquer cidadão ou cidadã medianamente informado sabe, desde sempre, que a ascensão do doutor Gilmar Mendes a tão alto posto, deve-se ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), que o fez juiz da Suprema Corte. A missão que lhe foi conferida, de acordo com artigo do professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari, em artigo que publicou quando da indicação do doutor Gilmar Mendes para o STF, e que o tempo só confirmou, foi a de tornar aquele tribunal completamente submisso ao presidente tucano, mesmo depois do término do seu mandato.


Divergências não

tão formais assim

Certamente, é em conseqüência do meticuloso cumprimento da missão que lhe foi conferida pelo presidente tucano ao longo dos anos – além dos múltiplos interesses em jogo – que sua decisão de conceder os dois habeas corpus ao senhor Dantas, rapidamente inflamou diversas instâncias do Judiciário, transformando o que poderia ser (e de fato o é) uma polêmica jurídica, numa pequena guerra de posições no interior do próprio sistema jurídico, com abaixo assinados, manifestos, manifestações, declarações apaixonadas e mesmo pedido de impeachment do doutor Gilmar Mendes.

A crise deflagrada expõe as vísceras do Judiciário, poder que funciona como uma “caixa preta”.

O problema central situa-se na seguinte questão: um cidadão pode ser preso apenas a partir de indícios, ou seja, sem provas? A nossa Constituição diz que NÃO – e esta é uma importante conquista, da qual jamais devemos abrir mão. Não importa se, neste momento, ela favorece a X ou a Y – isonomia é isto.

No entanto, a polêmica situa-se em saber se o material contido no relatório da PF configura-se realmente em provas, ou apenas em indícios. Sobretudo no que diz respeito ao fato da tentativa de suborno (de 1 milhão de dólares) oferecido pelo senhor Hugo Chicaroni a um delegado, em nome do senhor Dantas.

De todo modo, argumentam alguns que, contra a fundamentação do Ministro, a preventiva poderia ser sustentada com base na garantia da aplicação da lei penal, já que o senhor Dantas tem todos os meios de fugir do país – e aqui, se faz relembrar o caso do senhor Salvatore Cacciolla que se beneficiou do habeas corpus que lhe foi concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello (este, nomeado por seu primo, o presidente Fernando Collor de Mello, com missão equivalente à do seu colega doutor Gilmar Mendes).

Na conversa (gravada) do senhor Chiconi com o delegado que tentava subornar, o corruptor é muito claro em sua fala: “Ele [o senhor Dantas] se preocupa com hoje. Lá pra cima [instâncias superiores do Judiciário], o que vai acontecer, lá ele não tá nem aí. Por que ele resolve. STJ, STF... ele resolve”.

Além de tudo, não deixa de ganhar contornos de escândalo, o fato de existirem 200 mil pedidos de habeas corpus (metade da população carcerária do país) esperando julgamento, e que, em 48 horas, o senhor Dantas tenha conseguido dois.

Outras questões

da democracia

Outra preocupação que cerca as polêmicas diz respeito ao excesso de visibilidade e prestígio que possa ganhar essa nova geração de policiais federais (por alguns já apelidados de “yuppies da PF”), que os transforme, perante a população, em pequenos ou super-heróis, únicos paladinos da luta contra a corrupção, o que lhes daria legitimidade e um poder de fato, capaz de ameaçar a ordem democrática.

Essa preocupação no entanto, não se resolverá desqualificando trabalhos que sejam realizados de modo pertinente e sério. O caminho, apesar de óbvio, parece não ter sido percebido por nossas elites: enquanto escrevemos este editorial, e também quando vocês estiverem lendo, as cúpulas partidárias, empresários, a grande mídia comercial, membros dos diversos poderes da República, etc. Estarão dando curso a negociações tão escabrosas quanto aquelas de que são acusados o senhor Dantas e sua quadrilha (filhos exatamente de conchavos desse tipo).

A nossa posição é inequívoca: doa a quem doer, somos favoráveis a que as investigações sejam levadas até as últimas conseqüências, e que todos os criminosos sejam enquadrados e punidos nos termos da lei.


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